Dr.
Celestino Maria De Cicco Neto
A
Lei sancionada em fevereiro de 1997 pelo Fernando Henrique Cardoso,
embora com alguns vetos, torna todos nós doadores compulsórios
de órgão humanos, é no mínimo lamentável,
porque representa uma injusta e inconveniente intromissão
do Estado na vida privada do cidadão, nem no período
autoritário da Revolução tivemos algo parecido.
Se
observarmos a maioria dos países civilizados, a liberdade
de escolha é um direito do cidadão ser ou não
ser doador, é sua opção e não obrigação.
A Lei anterior que vigorava no Brasil, a autorização
ou permissão para a retirada dos órgãos
a serem aproveitados, tinha que ser dada pelo próprio
doador em vida, através de manifestação
por escrito, ou seja documentada, ou ainda poderia ocorrer a
doação quando não havia manifestação
expressa em vida do doador, consultando a sua família
e, com o consentimento, se retirava os órgãos
para a doação.
Portanto
a Lei anterior, no campo legal, atendia perfeitamente as necessidades
de captação de órgãos. Temos que
observar que ainda hoje é insuficiente o sistema para
transplantes, não por falta de doadores, mas sim por
pura e simples falta de aparelhamento e pessoal humano tanto
a nível estatal como privado para aproveitar todos os
órgãos disponíveis, fato este admitido
pelas próprias autoridades do setor.
Mesmo
assim, veio a Lei nova, que tornou todos nós doadores
obrigatórios, compulsórios, fazendo com que aquele
que não queira doar tenha o inconveniente de ter de comparecer
ao competente órgão público para manifestar
sua vontade e colocar nos seus documentos a frase NÃO
DOADOR DE ÓRGÃOS E TECIDOS, o que não e
feito gratuitamente pois se terá que pedir segunda via
dos documentos.
E
fácil observar que muitos brasileiros nunca irão
saber que para não ter seus órgãos retirados
compulsóriamente após a sua morte, devem manifestar
a sua vontade expressamente em documentos, e mesmo os que souberem
poderão ficar constrangidos de tomarem a necessária
atitude de declarar sua vontade de não ser doadores,
como pode-se observar o constrangimento é maior quando
manifesta-se como não doador e verificar uma sutil censura,
ou seja, com a nova Lei o indivíduo é exposto
por menor que seja à reprovação, ou do
funcionário onde ele declarou a sua vontade, ou mesmo
quando apresenta o seu documento.
Ao
falarmos sobre este assunto outros temas vêm à
tona e provocam uma reflexão em torno deles, são
temas muito delicados, como a eutanásia e, principalmente,
o tráfico de órgãos humanos.
O
legislador inclusive trabalhou com a hipótese do tráfico,
tanto é que previu uma punição severa para
aquele que remove ilegalmente órgãos ou comercializa-os,
com penas que podem chegar a 20 anos.
Porém
todos sabemos que o aceno com penas altas não intimida
as condutas criminosas. Tudo isso poderia ser evitado se a legislação
anterior fosse mantida. A Lei. 8.489, de 18 de novembro de1992,
era muito avançada e, no campo legislativo, satisfazia
plenamente o problema brasileiro.
O
que faltava e continua faltando é apenas o esforço
de conscientização da Nação e o
adequado aparelhamento para um melhor aproveitamento dos órgãos
doados.
Outra
discussão e a de quando se está realmente morto,
uma questão polêmica, pois pelo que eu saiba não
se enterra ninguém com o coração batendo
alegando a tal de morte cerebral, que atesta a morte que autoriza
a extração de órgão ainda com o
coração e respiração ativos. Devemos
lembrar que a tal de morte cerebral dada com definitiva, hoje,
era outra no passado e já se tem hoje especialistas dizendo
que não é bem assim, que pode haver recuperação
com o avanço da medicina, inclusive há casos de
pessoas desenganadas que ficaram em estado de coma por vários
anos e acordarem novamente para a vida. Por estas e outras razões
é que eu desde o primeiro momento sou contra esta Lei,
principalmente porque eu entendo que esta Lei altera o critério
de verificação do momento da morte.
Temos
que entender que o corpo humano sem vida pertence à família
enlutada, e hoje está sendo confiscado pelo Estado, que
o estatizou, como se aquilo não tivesse dono e sobre
ele não se teria mais amor, aquele corpo inanimado pertence
á família e qualquer parte desse corpo só
pode ser retirada com a autorização de vontade
devidamente manifestada em vida ou com autorização
de seus familiares num profundo sentimento de caridade e de
solidariedade.
Lamento
que nós no Brasil tenhamos que ter legisladores e governantes
que fazem leis desse tipo, e assim declaro, à luz da
nova lei, que "não sou doador de órgãos
e tecidos" vontade esta já devidamente declarada
em meus documentos, tendo ainda o direito reservado de mudar
de idéia no momento que eu entender, dentro da minha
consciência, e não ser depois de morto um objeto
confiscado pelo estado.
Celestino
Maria De Cicco Neto
Advogado, economista e diretor da DE CICCO ASSESSORIA E CONSULTORIA
Os
comentários e dúvidas devem ser encaminhadas
para decicco@decicco.com.br
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