Você
sabe o que é ser tímido? Para a imensa maioria das pessoas
responder a essa pergunta significa olhar para o próprio
passado, lembrar-se da primeira festa de adolescente, da
primeira vez que dançou com alguém atraente ou das primeiras
paqueras. A ansiedade que torna a voz insegura, que faz
as mãos suarem e o medo, inesquecível, de falhar, de fazer
tudo errado. Tudo isso sob a atenção da platéia, muitas
vezes nossos próprios amigos, que aparentemente se divertem
com o embaraço e com o fracasso levemente desmoralizante
de quem tenta fazer o que nenhum deles realmente faria melhor
na época, como chamar aquela menina para sair.
Não
é preciso ser tímido para sempre para imaginarmos o que
se passa com aquela pessoa conhecida que até hoje ruboriza
quando alguém percebe que mudou o cabelo ou está usando
uma roupa diferente. A maioria de nós vive a timidez como
uma fase passageira, quando tudo é novo e ainda não sabemos
o que fazer, nem mesmo como ajeitar os braços. Com o passar
do tempo nos tornamos progressivamente habilidosos em termos
sociais e nos habituamos a fazer com tranqüilidade o que
antes nos causava desconforto.
Mesmo
as pessoas de temperamento tímido, com o tempo tendem a
se tornar "descoladas", apesar de nunca chegarem a ser realmente
extrovertidas, o que é o oposto da timidez. Somente uma
pequena parcela das pessoas é naturalmente extrovertida,
com pouca ou nenhuma ansiedade em situações sociais, mas
isto não significa que não tenham que aprender com a experiência
para se tornarem socialmente habilidosas, e não apenas exageradas.
Se você imaginar todos novamente numa festa, já mais crescidos,
o extrovertido é aquele que dança sob as luzes e sobe ao
palco para contar piadas, os "ex-tímidos", a grande maioria,
se divertem na festa sem qualquer embaraço, mas também sem
exagero, e o "tímido descolado" é o sujeito discretamente
charmoso que, sem chamar a atenção da platéia, revela-se
uma interessante surpresa para a sua escolhida da noite.
De
maneiras diferentes, todos participam, menos aquele anônimo,
escondido no canto mais discreto do ambiente, prisioneiro
de uma angústia paralisante, que chega ao fim da festa ainda
ensaiando fazer o que nunca na vida conseguiu: dançar pela
primeira vez com alguém. É algo que o faz sentir-se prisioneiro
de um drama solitário, único. É "morrer de vergonha", sentir
o coração disparar, as mãos encharcadas, o rosto queimar,
um tremor que beira o desequilíbrio, simplesmente por ter
que pedir uma informação trivial a um desconhecido. Não
bastasse todo esse desconforto, surge uma inevitável "tempestade"
de pensamentos negativos, recheada de cenários como ser
ridicularizado, de preocupações como ser visto como louco
ou covarde, que finalmente acabam por paralisar a vítima
deste pesadelo, fazendo-a desistir antes mesmo de tentar.
Este
pesadelo chama-se Fobia Social, a timidez patológica, uma
doença ansiosa que atinge cerca de 2% das pessoas do mundo,
uma multidão de pessoas que julgam serem os únicos exemplos
na Terra. Por isso, é freqüente que se sintam estranhas
e, em conseqüência, façam de tudo para não serem muito percebidas.
Diferente das outras pessoas, para quem tem fobia social
a timidez da infância ou adolescência não melhora com o
tempo e a pessoa simplesmente "empaca" no desenvolvimento
social. Tornam-se progressivamente inseguros, inferiorizados,
e quanto mais o tempo passa, ficam mais diferentes dos demais.
À medida que "todo mundo" aprende a fazer as coisas das
quais um fóbico se sente incapaz. E são coisas como fazer
pedidos em restaurantes, dizer não a vendedores insistentes,
fazer ou responder perguntas na sala de aula, iniciar conversas
com colegas ou estranhos. Muitas situações do cotidiano
se tornam barreiras intransponíveis, e os prejuízos à qualidade
de vida se refletem em baixa empregabilidade, baixa realização
sexual e afetiva, com propensão a permanecer solteiro, tendência
à solidão e um efeito devastador sobre a autoestima, porta
de entrada para preocupantes quadros depressivos.
Vista
tardiamente pela medicina e pela psicologia como uma doença,
verdadeiro distúrbio ansioso, a Fobia Social é uma condição
tratável. Psicólogos de linha Cognitivo-Comportamental desenvolvem
programas que vão do treino de habilidades sociais (como
iniciar e terminar uma conversa, por exemplo), passando
pela exposição/habituação a situações sociais e por fim
desenvolvendo maneiras de lidar com preocupações fantasiosas
geradas muitas vezes pelo medo de ser mal julgado.
Psiquiatras
interessados no estudo da fobia social empregaram vários
medicamentos em seu tratamento, encontrando bons resultados
com dois grupos de antidepressivos, sobretudo para o alívio
dos sintomas físicos, podendo ser utilizados ainda outros
recursos coadjuvantes. O tratamento é usualmente compensador
e gratificante, porém, devido à sua complexidade, exige
experiência na área por parte dos terapeutas e grande empenho
do paciente. Os melhores resultados são alcançados por grupos
especializados, formados por médicos psiquiatras e psicólogos
comportamentais. Porém, é preciso lembrar que tudo depende
de um ato de coragem fundamental, que é pedir ajuda, e da
crença de poder se superar, de ser maior que o próprio medo.
Dr.
André Astete – Psiquiatra coordenador
do ambulatório de ansiedade e depressão
(PATH) do Hospital Vita Curitiba |