"....um recebeu uma ferida insignificante, não muito profunda, um pouco abaixo do pescoço, por uma flecha pontiaguda. Tendo sido extraída, não muito tempo depois a nuca ficou rígida e deformada para trás, como nos opistótonos. Ademais, o paciente tinha a mandíbula travada, se tentava tomar algum líquido pela boca, o devolvia em seguida pelo nariz. Piorou rapidamente e faleceu no segundo dia...."
Hipócrates Das epidemias - Livro V - Os casos de Salamis.
TÉTANO - do verbo grego teínein (distender, esticar, estirar) para o latím tetanus, registrado em Plínio o velho (23 - 79 dC) como rigidez de um membro, contração espasmódica dos músculos do corpo.
O tétano já era conhecido há mais de dois mil anos, pois em 640 aC Hipócrates já o descrevia em suas duas formas, generalizada e localizada, sendo o autor do aforismo: "tetânico que passar do quarto dia estará salvo". Indiscutivelmente, o Pai da Medicina possuía maravilhoso senso de observação, pois ainda nos dias atuais, apesar do enorme progresso da terapêutica, são mais freqüentes os óbitos dentro da primeira semana.
O bacilo causador do tétano foi identificado em 1884 por Nicolaier. Ramon, em 1925, descobriu a anatoxina, possibilitando a prevenção do tétano.
O agente causador do tétano é o Clostridium tetani, bacilomorfologicamente semelhante a um alfinete de cabeça. É estritamente anaeróbio e, sob condições adversas de sobrevivência, esporula; esta forma confere-lhe excepcional resistência por vários anos. Quando as condições ambientais lhe são favoráveis, germina e assume a forma vegetativa, filamentosa. Esta é capaz de elaborar a exotoxina tetânica, altamente neurotrópica e potente. Para avaliar sua potência, é bastante atentar que 1 ml da toxina diluído cem mil vezes é suficiente para matar uma cobaia de 350g em poucas horas.
O Clostridium tetani é comumente encontrado na natureza sob a forma de esporo, nos seguintes lugares: terra, principalmente quando contaminada com fezes de animais, reino vegetal (em espinhos de arbustos
e pequenos galhos de árvores), águas putrefeitas, pregos enferrujados, instrumentos de lavoura, latas velhas contaminadas com poeira de rua ou terra, fezes animais ou humanas, instrumentos médicos ( fios de categute, agulhas, bisturis, etc) não devidamente esterelizados.
O tétano constitui ainda hoje sério problema de saúde pública para vários países do terceiro mundo, causando inúmeras mortes. Países desenvolvidos reduziram drasticamente a incidência desta doença através de vacinação sistemática; em vários países Europeus e nos EUA a imunização é exigida por lei.
A letalidade no tétano é maior entre os recém-nascidos e os velhos (acima de sessenta anos). Os coeficientes mundiais de mortalidade por tétano variam de menor que meio até maior que trinta e dois por cem mil habitantes. No Brasil o coeficiente médio é de treze por cem mil habitantes.
O período de incubação varia entre três e quinze dias e é tanto mais breve quanto mais grave for a enfermidade. O primeiro sinal após a contaminação é o trismo, contratura permanente, simétrica e irredutível dos músculos masséter, que bloqueia a abertura da mandíbula, impedindo em algumas horas qualquer alimentação solida e logo líquida. Rapidamente a este trismo se associam outros sinais: na faringe, uma sensação de garganta oprimida, que dificulta a deglutição da saliva, modifica a voz e nos faz temer um espasmo da glote; na face, uma contratura que lhe dá um aspecto de "facies cínica" ou "riso sardônico"; nos músculos cervicais e em outros grupos musculares se observa uma certa rigidez. Em dois ou três dias o tétano se generaliza com hiperreflexia osteotendinosa generalizada, rigidez dolorosa com hiperlordose lombar, saliencia dos músculos abdominais e toráxicos contraídos e diminuição da amplitude dos movimentos respiratórios, contratura predominantemente extensora nos membros inferiores e flexora nos membros superiores. A estas contraturas permanentes pode-se agregar recrudescimento paroxístico que colocam bruscamente o paciente rígido no tronco e nos membros, ficando apoiado somente na cabeça e no calcanhar, levando a uma posição denominada opistótono. A doença não confere imunidade, existe casos relatados de indivíduos que tiveram tétano mais de uma vez.
O tétano umbilical por ser uma importante causa de mortalidade neonatal deve ser intensamente combatido pela vacinação de todas gestantes.
O único tratamento lógico, a profilaxia do tétano, consiste na vacinação com anatoxina tetânica e a soroterapia com antitoxina antitetânica.
Os gastos com um único doente com tétano seriam suficientes para vacinar 10.000 pessoas.