Doença
de Chagas
|
|
O
Maior transmissor da doença de chagas no Brasil tem um
nome pomposo: Triatoma, mas é vulgarmente conhecido
por várias alcunhas, como bicho-de-parede, bicho-de-frade,
gaudério, procotó, rondão, chupança
e barbeiro.
Uma
descrição sucinta do Triatoma diria que
é um inseto com perto de 2 centímetros de comprimento,
asas achatadas, largas e listradas nas bordas, não muito
diferente de uma barata doméstica comum, mas com um ferrão
comprido. Ao contrário da barata, porém, é hematófago, ou seja, alimenta-se de sangue. E
sua ação devastadora tem causado anualmente milhares
de mortes em toda a America Latina, desde o norte do México
até o centro do Chile e da Argentina.
Este
bicho assassino tem hábitos altamente suspeitos. Durante
o dia, esconde-se no madeirame e nas frestas das paredes de
barro de casebres e choças de pau-a-pique. De noite,
valendo-se da escuridão, sai de seu esconderijo e vai
picar os moradores que se encontram dormindo. O pior de tudo
é que, além de chupar o sangue das pessoas, defeca,
também, ao mesmo tempo. E é pelas fezes que
transmite a doença de Chagas.
O
nome científico da doença de Chagas é Tripanossomíase
americana ou brasileira, porque seu causador é
um micróbio chamado Trypanosoma cruzi. Este germe
vive naturalmente no sangue de alguns animais (principalmente
no cão, no gato e nos roedores em geral). Ao sugar
o sangue de um desses animais infectados, o "barbeiro"
contamina-se com o micróbio e aloja-o em seu intestino.
Mais tarde, ao picar uma pessoa e defecar junto à picada
ele passa o germe para o homem. A doença de Chagas, portanto,
raramente é transmitida de modo direto de pessoa para
pessoa, ou de qualquer animal para um ser humano - quase sempre
é preciso que exista um "barbeiro" que sirva
de agente intermediário.
Como
e Onde Age o Trypanossoma cruzi
A
picada do "barbeiro": costuma provocar coceira; fora
este comichão, é completamente inofensiva. O perigo
todo está nas fezes que deposita - são elas que
estão carregadas de tripanossomos.
O Trypanossoma cruzi é um protozoário flagelado,
capaz de mudar de forma de acôrdo com o ambiente em que
se encontra. Essas mudanças são acompanhadas
de profundas alterações em suas características
biológicas, virulência e capacidade de adaptar-se
aos vários meios em que sobrevive. No sangue ele se apresenta
sempre sob a forma de tripanossomo, ou seja, de microorganismo
unicelular com um flagelo (que server para seu deslocamento),
corpo alongado e curvo, afilando-se nas extremidades. Passando,
porém, do sangue para as células dos tecidos,
adota a forma de leishmânia, ou seja torná-se ovóide
e perde o flagelo. Nessa forma simples, cresce e se reproduz
com rapidez, inundando a célula invadida. Multiplica-se
a ponto de destruir a célula e, rompendo-a, retorna à
corrente sangüínea. De volta ao sangue, o parasita
reassume a forma de tripanossomo e espalha-se por todo o organismo,
assaltando novas células em qualquer parte do corpo,
mas de preferência as fibras musculares e, muito particularmente,
os músculos cardíacos.
A
partir daí o ciclo se repete indefinidamente. Dentro
das células dos tecidos, os minúsculos ovóides
aflagelados multiplicam-se intensamente, destruindo as hospedeiras;
fora delas, retomam a forma flagelada e emigram novamente. de
maneira geral, a forma flagelada seve unicamente à locomoção
e migração do parasita (é assim que ele
aparece nas fezes do "barbeiro"), enquanto a sua forma
aflagelada assegura sua permanência e reprodução,
causa dos danos e lesões características da doença
de Chagas.
Multiplicando-se
no coração, por exemplo, os parasitas ocupam o
maior eixo do músculo, formando grandes aglomerados,
verdadeiros ninhos. A lesão predominante é sobre
o miocárdio, mas são atingidos também,
embora menos intensamente, o pericárcio, o endocárdio
e as arteríolas coronárias. Nas fibras musculares,
eles destroem a disposição em camadas, que é
a principal característica das fibras normais.
Além
do coração e dos músculos, o parasita causa
lesões também no fígado, no sistema nervoso (encefalites,
mielites, etc.), e nos gânglios linfáticos. No
sistema sagüíneo, provoca uma linfocitose precoce
e persistente.
Sintomas
e Perigos
A
doença de Chagas só se manifesta de dez a vinte
anos depois que o paciente a contraiu. O pior de tudo é
que a doença se introduz de maneira insidiosa nos seres
humanos. Em 1912, logo depois de ter identificado o Trypanosoma
cruzi, Carlos Chagas notou que outro inseto semelhante,
apenas um pouco mais avantajado, o Panstrogylus geniculatus,
que vivia em tocas de tatus, também era hospedeiro e
transmissor do parasita. Estudos revelam a existência
de pelo menos 31 espécies diferentes de "barbeiros"
(triatomídeos) parasitados pelo Trypanosoma. Além disso, verificou-se que o germe pode introduzir-se no organismo
humano por duas vias principais. Sempre depositado na pele com
as fezes do "barbeiro", infecta sem dificuldade o
local da picada, pasando para o sangue; mas também penetra
com facilidade em qualquer mucosa (Bôca e conuntiva dos
olho, principalmente).
Se
uma pessoa, picada pelo "barbeiro", durante o sono
coçar o local picado e depois passar os dedos infectados
sobre os olhos, dias após estará com a conjuntiva
inflamada, as pálpebras inchadas e ponto de não
poder abri-las. Semanas mais tarde deverão surgir outros
sintomas de infecção: febre, mal-estar, fraqueza,
palpitações e cansaço generealizado. Essas
são as queixas típicas dos chagásicos.
Neste
ponto, diz-se que a doença está em sua forma aguda
e poderá matar o paciente em conseqüência
de uma inflamação difusa e intensa do coração
(miocardite). Mas também é possível que
os sintomas regridam espontâneamente. E a regressão
pode durar semanas, meses ou até anos sem qualquer outra
manifestação, tomando a moléstia sua forma
crônica. Em geral, porém, passado o período
de cura aparente, surgem as manifestaçãoes da
cardiopatia chagásica - pressão baixa, taquicardia
ou braquicardia, tontiras, falta de ar, inchaço nas pernas
- e o paciente tem seus dias de vida contados: de forma geral
não ultrapassa os cinquenta anos de idade, podendo morrer
súbita ou lentamente.
Diagnóstico
e Prevenção
Os
principais meios para o diagnóstico da doença
de Chagas em sua forma aguda é o exame microscópico
de uma gôta de sangue do paciente, para a eventual identificação
do Trypanosoma, ou a biopsia de um gânglio
linfático. Na forma crônica, porém, os parasitos
tornam-se raros na correte sangüínea e, então,
o diagnóstico deve basear-se em método indireto:
verifica-se se o organismo está produzindo anticorpos
contra o Trypanosoma cruzi. Para isso faz-se uma prova
imunológica com o soro sangüíneo do doente,
denominada "reação de fixação
do complemento para a doença de Chagas" ou "reação
de Guerreiro e Machado", ou de "Machado Guerreiro"
como é mais comumente conhecida.
Até
agora a doença de Chagas não tem cura científicamente
reconhecida. Enquanto os pesquisadores não descobrem
um remédio eficaz, o combate à doença tem
que se limitar à sua prevenção. E
até agora o método profilático mais prático
tem sido o combate sistemático ao "barbeiro".
Para isso, equipes especializadas percorrem as regiões
infestadas, visitando o maior número possível
de casas de barro e pau-a-pique, tratando-as com doses maciças
de inseticida. Evidentemente, a doença de Chagas
é, além da moléstia terrível, consequência
da miséria social, porque ataca sobretudo as camadas
mais desamparadas da população, aquelas que por
sua pobreza são obrigados a viver em choças, em
condições subhumanas.
Mas
nem tudo deve ser encarado com pessimismo. O alarma contra a
doença de Chagas já encontrou eco em todas as
partes do mundo. Novos medicamentos acham-se em observação;
alguns com resultados mais positivos na forma agudada moléstia.
Quando
Foi Descoberta a Doença de Chagas
Em
1907, Oswaldo Cruz, então diretor do Instituto Manguinhos
do Rio de Janeiro, enviou o jovem médico mineiro
Carlos Chagas para o norte de seu Estado, a fim de combater
uma epidemia de malária que vinha grassando entre os
trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Central
do Brasil.
Utilizando
um vagão como laboratório, Carlos Chagas
não se limitou a combater a malária. Em pesquisas
pela região, examinou o Triatoma megistus e enviou
alguns exemplares ao Instituto Manguinhos. Os sagüis, picados
pelos isetos, apresentaram em seu sangue periférico a
presença de numerosos tripanossomos desconhecidos e que,
em homenagem a Osvaldo Cruz, receberam o nome de Trypanosoma
cruzi.
Lúcia
Helena Salvetti De Cicco
Diretora de Conteúdo e E ditora
Chefe
|