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Riscos e prazeres das drogas

Dr. Luís Carlos Calil


O risco do prazer. Correr riscos faz parte da natureza humana. Corre-se riscos para se sentir vivo, aprender mais sobre si mesmo, testar suas habilidades e limites ou até arriscar a integridade física ou mental como forma disfarçada de suicídio. Também corre-se riscos por quê eles dão prazer, alguns aceitos socialmente, outros não. Exemplo disso são as competições automobilísticas em pistas apropriadas para isto, por outro lado há corridas pelas ruas da cidade nas madrugadas, desconsiderando todos os sinais de transito.

E quando o assunto é drogas? O que são drogas?

Elas trazem junto algum prazer (senão ninguém as usaria). Trazem também riscos, que podem estar relacionados aos efeitos diretos da droga; riscos legais; sociais e riscos de dependência.

O fato de uma droga ser legal ou ilegal não está relacionado a suas propriedades químicas ou seus riscos para a saúde. Um critério popular é achar que tudo o que é natural não prejudica. Isto não é verdade. Veneno de cobra, vírus e bactérias são naturais e podem causar um estrago danado. O critério científico-farmacológico é chamar "drogas", de droga psicotrópica, por serem substâncias que atuam no cérebro modificando a maneira de sentir, pensar e de agir.

Serão descritos alguns aspectos relacionados às drogas de uso mais comum em nosso meio.

Drogas depressoras do Sistema Nervoso Central (SNC) - diminuem o funcionamento cerebral, a pessoa fica desligada, devagar, flutuando.

Álcool

Somente no século XIX, o alcoolismo começou a ter aceitação científica como conceito de doença. O mérito desta concepção foi retirar o enfoque moralista, do alcoolismo como 'vício', sendo substituído pelo de 'doença' em seu conceito mais amplo, como entidade clínica na qual a alta ingestão de álcool provoca doenças físicas e mentais.

Alcoolismo é um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, está associado a cerca de 50% dos acidentes com morte, 50% dos homicídios e 25% dos suicídios. O tratamento envolve principalmente a orientação profissional, que pode incluir tratamento comportamental e psicológico e/ou participação em programas de auto-ajuda (Alcoólicos anônimos). A intervenção farmacológica visa aliviar os sintomas de abstinência e evitar recaídas.

Causas

Filhos de alcoolistas tornam-se alcoolistas com freqüência quatro vezes maior que filhos de não-alcoólicos, sugerindo um fator genético. Pessoas muito ansiosas, tímidas e reprimidas, podem usar o álcool para obter a sensação de liberação e poder. Há um aforismo psicanalítico de que a auto-crítica é solúvel em álcool.

Os pacientes mais gravemente acometidos podem ter maior dificuldade no confronto com o problema. Muitos tentaram parar várias vezes, porém sem sucesso. Como esses indivíduos são geralmente muito sensíveis à rejeição, é importante que os médicos os tratem com a mesma preocupação que dariam a pacientes com qualquer doença crônica, que aceitem as recaídas e encorajem a continuação do tratamento.

Efeitos do álcool

Uma característica das bebidas alcoólicas não compartilhada por nenhuma outra droga psicotrópica, é o fornecimento de energia. São, contudo, "calorias vazias", pois não estão associadas a proteínas, sais minerais ou vitaminas. Em média, um indivíduo pode transformar 7g de álcool por hora. Não há qualquer medicamento desintoxicante, como se pretende com uso de injeção de glicose (é raríssimo um alcoolista apresentar hipoglicemia) e outras recursos usados no passado que trazem mais riscos que benefícios.

A adaptação do Sistema Nervoso Central ao álcool estabelece um estado de dependência física. Essa dependência se torna aparente quando a redução da ingestão ou a abstenção do álcool causa desconforto subjetivo e sinais objetivos de abstinência. Os sintomas de abstinência incluem: ansiedade, taquicardia, hipertensão, tremores, náuseas e vômitos e insônia. Entre os sintomas mais pronunciados estão, ilusões auditivas ou visuais, alucinações, uma pequena porcentagem de pacientes apresenta uma ou mais convulsões. A manifestação mais grave da abstinência do álcool é o delirium tremens, um estado confusional severo caracterizado por profunda agitação, alucinações, delírios, tremores e convulsões.

Tratamento

Nas urgências como no Delirium Tremens ou grave síndrome de abstinência, deve-se realizar tratamento médico específico. O alcoolismo é uma doença crônica. É fundamental que se mantenha a continuidade do tratamento com o objetivo de prevenir as recidivas.

Alcoólicos Anônimos, (AA). É uma organização fundada por um ex-alcoolista, dedicada ao auxilio de alcoolistas, com grupos de auto-ajuda. Al-Anon, para companheiros, parentes, e amigos de alcoolistas, Al-Ateen, para adolescentes e crianças, com função de suporte. Hoje presente em quase todo o mundo tem obtido bons resultados na recuperação dos alcoolistas que os procuram.

Além destes recursos, ainda há que se tratar das doenças associadas ao alcoolismo, como comprometimento hepático, cerebral, nutricional. Some-se a isto os custos econômicos (faltas ao trabalho, acidentes de trabalho, acidentes de transito), emocionais e sociais ocasionados pelo álcool.

Opiáceos

São vários os derivados do ópio, sendo mais conhecidos a morfina e heroína que se fixam em receptores cerebrais e em pouco tempo levam a dependência. Tem ação analgésica, pode causar uma euforia inicial seguida de apatia e sonolência. Em superdosagem pode levar ao coma e morte por parada respiratória. A abstinência inclui náusea, dores musculares e diarréia.

Inalantes ou solventes

Estão juntamente com a maconha entre as drogas mais usadas por crianças e adolescentes no Brasil. Incluem-se a gasolina, removedores de tinta, cola de sapateiro, benzina e acetona. São depresssores cerebrais podendo causar inicialmente euforia, sensação de flutuar, tontura; com aumento da dose causam torpor mental.

Estimulantes do SNC - aumentam a atividade cerebral, o usuário fica ligado, elétrico.

Cocaína - do pó ao caminho das pedras

Cocaína refinada é um pó branco que pode ser aspirado ou injetado, causa um estado de intensa euforia. Cocaína não refinada são pastas em solventes básicos, resultando nas pedras de crack ou merla, que são fumados. Tem ação mais rápida e danificante no cérebro. Em doses altas podem causar morte por parada cardíaca.

Perturbadores do SNC - o cérebro passa a funcionar fora do normal, não em velocidade, mas na qualidade do funcionamento.

Maconha

Tem efeitos euforizantes, tranquilizantes e um estado como de sonho. O uso crônico leva a um estado de apatia e passividade.

Considerações finais

Não existem drogas inócuas para a saúde física ou mental, todas são mais ou menos nocivas em razão de seus efeitos diretos ou secundários tais como transmissão de doenças - Aids e hepatite entre outras; acidentes; criminalidade e outros custos familiares e sociais. Existem riscos diferentes para pessoas diferentes. Quem tem predisposição a desenvolver uma doença mental, o uso de uma droga pode se constituir numa viagem sem volta para a loucura. As drogas citadas são muito freqüentes em nosso meio e seu uso apresenta crescimento acentuado em todas as classes sociais. Portanto todos os esforços devem ser envidados para que haja consciência e educação preventiva a seu uso, além de formação de equipes multiprofissionais e grupos de auto-ajuda para efetivar o tratamento.

Leitura de referência para elaboração deste texto

BLOOM, FE; KUPFER, DJ. Psychopharmacology - the fourth generation of progress. New York, Raven Press, 1994.
CORDÁS, TA; MORENO, RA. Condutas em Psiquiatria. São Paulo, Lemos Editorial, 1993.
COTRIM, BC. Drogas - mitos & verdades. São Paulo, Ática, 1997.
HALES, RE; YUDOFSKY, SC; TALBOTT, JA. The American Psychiatric Press Textbook of Psychiatry, 2 ed. Washington, American Psychiatric Press, 1994.

 

Dr.Luís Carlos Calil
Especialista em Psiquiatria
pela Associação Brasileira de Psiquiatria
Prof. da Disciplina de Psiquiatria
Clínica da FMTM
Mestre em Saúde Mental pela FMRP-USP

 

 
 

 
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