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Depressão: Amante causadora de muitas separações

Dr. Luís Carlos Calil

Depressão é uma doença muito comum em todas as sociedades. Tem aumentado sua freqüência em populações mais jovens. É a segunda causa de morte (por suicídio), superada apenas por acidentes entre os jovens americanos.

Ocorre em todas as idades, sua incidência atinge cerca de 6% da população, e cerca de 20% das pessoas irão apresentar ao menos um episódio depressivo ao longo da vida. Pode se apresentar de várias maneiras, aí é que começa a complicação.

A definição de depressão pela Organização Mundial de Saúde (OMS), através da Classificação Internacional de Doenças (CID - 10), implica que devam estar presentes em graus variados de intensidade, nos episódios típicos, humor deprimido, perda de interesse e prazer nas atividades, energia diminuída levando a uma fadiga aumentada e atividade diminuída.

Podem ocorrer idéias suicidas, e pessoas deprimidas suicidam trinta vezes mais que a população geral.

Hoje sabe-se que a depressão é acompanhada por alterações em substâncias no Sistema Nervoso Central, os neurotransmissores, principalmente a noradrenalina e a serotonina. É também vista como uma condição crônica em muitos casos necessitando tratamento prolongado.

Cerca de dois terços dos deprimidos não procuram ajuda médica, tentam se tratar com receitas caseiras, uso de vitaminas, busca religiosa e outros recursos.

Contudo a depressão não se limita a alterações neurobiológicas. É antes uma experiência de profunda dor, que mobiliza os sentimento mais primitivos tanto no deprimido como nas pessoas com quem convive.

Ocorre que entre os deprimidos observa-se comportamentos que visam reduzir o mal estar, e alguns destes comportamentos é que definimos como "Amante" causadora de separações.

A pessoa deprimida está com os piores sentimentos em relação a si mesma, com idéias de culpa, de inutilidade, redução da auto-confiança e auto-estima. É compreensível que alguém neste estado queira se livrar dele, da maneira que puder. Que sinta inveja de quem não está deprimido, e que fique mais amarga e hostil na convivência.

Muitas vezes o deprimido apresenta redução do desejo sexual, se o parceiro não compreende, pode acusar o outro de estar com amante. Outras vezes o deprimido pode ao contrário apresentar comportamento promíscuo, buscando relações sexuais descabidas na tentativa heróica de aliviar sua angústia. Pode fazer uso de bebidas alcoólicas e drogas com a mesma finalidade. O bem estar é passageiro, o sentimento de culpa e irritabilidade aumentam, o desempenho no trabalho fica mais comprometido. Se neste momento de intensa fragilidade houver perda de emprego, conflitos ou separações conjugais, o risco de suicídio se potencializa.

Não é hora de julgar comportamentos, é momento de compreensão - o deprimido está fazendo o que pode para sobreviver, não que seja o melhor, mas é o melhor que pode fazer.

Esta pessoa que já se sente só, ficará realmente desamparada, e na companhia dos piores sentimentos que pode experimentar.

Quando duas pessoas se unem, fala-se em comunhão de bens; que estarão unidos na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Quanto à comunhão de bens e união na saúde e alegria, não há grandes problemas, contudo quando surgem os males, as doenças, as tristezas, o que era antes meu bem pra cá, meu bem pra lá, muitas vezes culmina em separação e acaba com meus bens pra cá, e seus bens pra lá - suas doenças e seus males também.

Ninguém diria a uma pessoa com a perna fraturada, para ela andar fazer passeios para a perna melhorar. É comum familiares, amigos e às vezes médicos tentarem ajudar como podem. Dizem a pessoas deprimidas para esquecer os problemas, ou que não tem problemas para se deprimir, que existem pessoas em pior situação e não se entregam, ou sugerem férias e passeios. A tolice é tão grande como quando o deprimido usa drogas ou sexo para melhorar seu mal.

Partilhar e entender esta experiência de dor não é tarefa fácil e não depende só de boa vontade. Depende de condição interna para acolher até onde possível essa angústia, e encaminhar o companheiro que padece desse mal a quem de competência para tratamento adequado.

A metade dos deprimidos que procuram ajuda médica procuram clínicos, em função de seu mal estar físico e certo preconceito quanto a procurar psiquiatras. Após vários exames clínicos normais, e infelizmente algumas prescrições de "calmantes", que mais agravam a depressão, cerca de 5 % dos deprimidos chegam ao psiquiatra. Se o tratamento for bem conduzido com uso de medicamentos, e algumas vezes auxílio de psicoterapia, 80% dos casos respondem ao tratamento. Ainda existem casos refratários a todos os tratamentos existentes.

Dedico este texto a todas as pessoas que experimentam ou experimentaram a dor da depressão, tão difícil de ser expressa. Dedico também a seus familiares e companheiros, na esperança de que possam compreender melhor e respeitar essa dor, talvez a mais humana das dores.

Dr. Luís Carlos Calil
Professor da Disciplina de Psiquiatria Clínica da FMTM - Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria

 

 
 

 
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